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Fabrícia Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com / jornalistas@aredacao.com.br

Inspiração

Os sonhos não envelhecem

| 19.05.17 - 12:37
Goiânia - Querido Flávio,

Eu sei que a vida não anda fácil. Você me diz que está deprimido, porque estuda há tempos para passar em um concurso público, mas ainda não conseguiu o que queria. Fala que não suporta mais a instabilidade do nosso País, que não vê a hora de ter “um salário certo, seguro”, um emprego do qual ninguém nunca vai poder te demitir.

De fato, o Brasil não é para principiantes e as coisas estão bastante incertas. Causa temor, realmente. Mas me causa ainda mais receio a sua idealização. Percebo que você depositou todas as suas fichas de felicidade nesse concurso, que imagina que depois que passar tudo será diferente. Me desculpe te decepcionar, mas não é bem assim.

Devo te lembrar que seu chefe ocupará um cargo de confiança e terá indicação política. Pode ser um cara muito bacana, com quem você se dê super bem. Pode também ser um mala sem alça, com quem você não suporte trocar duas palavras. Pode ser alguém que entenda bastante do assunto, ou um ignorante total na área. É sempre um risco.

Preciso te lembrar, ainda, que você ficará oito horas do seu dia nesse lugar. Quarenta horas por semana. A maior parte do seu tempo você passará lá. Se você me diz que detesta fazer o que prevê o edital, mas que está se esforçando para aprender todas as matérias e passar no concurso, “porque o importante é ter dinheiro”, presumo que sua vida vá se tornar um inferno.

Imagino você sentadão naquela mesa, com computador aberto, contando cada segundo para a hora do almoço chegar logo. Depois voltando do intervalo e contando cada segundo para o final do expediente. Depois contando os segundos para a sexta-feira. E depois contando os segundos para as férias. Que tristeza de vida, amigo.

Parece que com o dinheiro que vai cair na sua conta, todas as dores cessarão. Mentira. Quando seus pais morrerem, será horrível do mesmo jeito. Quando a mulher que você ama te der um fora, você vai continuar querendo sumir. Quando você adoecer, será muito ruim. Você pode até sofrer com mais glamour, mas vai continuar tendo problemas, como todo mundo.

Não estou pregando o desapego material. Quem não gosta de viver com conforto? Eu adoro e acho que não há nada de mal nisso. Mas quando esse conforto passa a te escravizar e exige de você o sacrifício de um terço da sua vida, é preciso repensar. Se trabalhando arduamente no que a gente ama já é difícil, imagine no que a gente detesta?

Nunca me esqueço da bronca que levei de uma professora que tive no ensino médio. Ela me achava muito inteligente e quis morrer quando eu disse que prestaria vestibular para Jornalismo. “Você só pode estar ficando louca. Deus não dá asas à cobra, mesmo. Fosse eu com essa inteligência, faria Medicina, com toda certeza. Vai morrer pobre”, bradou ela.

Vou te dizer que milionária não fiquei, mas vivo muito dignamente, obrigada. Me planejo para comprar alguma coisa, organizo direitinho, vou lá e faço. A primordial diferença é que a forma como ganho esse dinheiro me dá muito prazer. Vir para o trabalho não é um sacrifício; é uma alegria, a realização de um sonho. Passo oito, dez, doze horas por dia exatamente onde queria estar. E isso me motiva, me fortalece, me estimula a viver.

Sabe, não existe uma receita única para a felicidade. Tenho medo de você pensar que a fórmula casa em condomínio horizontal de luxo + carro importado do ano + cartão de crédito com limite estratosférico seja a única que fecha a equação da satisfação pessoal. Tudo isso é muito bom, mas não é o único caminho possível.

Você se recorda daquelas fotos incríveis que me mostrou? E de quando disse que seu sonho era ser fotógrafo e falar inglês fluente? Fico te imaginando trabalhando duro para juntar uma grana para fazer um curso em Londres. Te imagino chegando lá, ralando um monte para se manter, mas em êxtase, por aprender a fazer melhor o que mais gosta.

Te vejo de cima do London Eye, apreciando a cidade e pensando em como a vida pode ser boa. Te vejo tentando equilibrar o emprego com o qual você paga suas despesas e a produção fotográfica; te vejo se estabelecendo pouco a pouco, e depois vivendo só da fotografia. Te vejo sorrindo, realizado, pensando que é possível ser feliz de verdade de segunda a sexta.

Não é um sonho. Você pode lutar para chegar lá. O momento é complicado, as incertezas políticas e econômicas são enormes, mas uma hora a gente precisa começar a perseguir a própria felicidade, não é mesmo? Então que seja agora. Sua vida vale isso. E se não der certo, você tenta outra coisa - até mesmo voltar à rotina de concurseiro, quem sabe. Porque, ao contrário dos concursos, na vida da gente, uma errada não anula uma certa. Todas as tentativas para acertar são válidas, é sempre tempo para recomeçar. Afinal, como dizia o poeta, os sonhos não envelhecem.

P.S. 1 – Leia este texto ouvindo “Clube da Esquina 2”, com Flávio Venturini;
P.S. 2- Texto baseado em carta do leitor, cujo nome foi trocado para preservar sua privacidade.
 
 

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