A matemática vai ser vista SOBRE (sic) a ótica de Deus (...) é a disciplina do currículo escolar organizada SOBRE (sic) a ótica das Escrituras"
Iolene Lima – MEC, Brasília
Sob a ótica
É claro que a professora queria dizer “sob a ótica”, uma expressão equivalente a “pela ótica”, “a partir da ótica”.
Em cima ou embaixo?
A preposição sob é equivalente a embaixo, exatamente o contrário de sobre. Na fala da diretora, quem está em cima, quem está embaixo? Aparentemente, o que ela quer dizer é que a ótica de Deus e das Escrituras estaria por cima.
Metaforicamente usa-se a preposição sob nesse tipo de expressão, como se a ótica pairasse por cima da matemática, como se as escrituras estivessem acima da disciplina.
Hipercorreção
A funcionária do MEC foi vítima de um fenômeno comum: preocupada em bem falar, usar as palavras apropriadas, pronunciá-las adequadamente, acabou corrigindo o que não precisava. Eis que nosso sob ganha uma sílaba a mais, virando sobre.
A linguística chama esse fenômeno de hipercorreção.
Faz dois meses
A supercorreção ocorre quando há uma suposta correção num lugar onde não há erro. Se informalmente temos o costume de cortar o final das palavras, então numa ocasião formal preciso prestar atenção e pronunciar todos os finais. Quando começo a inventar final aleatórios de palavras é que começa o problema. Com o excesso de cuidado desmedido, nosso tradicional fim de semana vira “final de semana” e spa vira “spar”. Excesso de cuidado.
O frete do sicrano
Há vários outros casos de hipercorreção na fala. Como muita gente da roça usa o R no lugar do L, dizendo “grória” ou “broco”, então a preocupação é evitar usar o R, mesmo em palavras como sicrano, frete ou marmita.
O viés social
Trocar letras, confundir concordância, tudo isso é detalhe e todos nós fazemos isso o tempo todo. O problema aqui é outro. Há erros gramaticais que têm um viés social, como os dois casos citados, concordância e rotacismo. São erros típicos de gente de pouca escolaridade ou pobres. Pois o pavor de ser confundido com essa categoria de falantes é que pode dar origem à hipercorreção.
O caso da diretora do MEC, é grave, pois estamos diante de alguém que, em sua preocupação em distanciar-se da cultura popular, constrói uma imagem falsa de seu conhecimento. De quebra, mostra ainda que não estudou tão bem assim, já que mistura preposições de significado completamente diferente. O conhecimento é algo perigoso: beber pouco de sua fonte pode ser pior que nada beber.
Creusa e Gerardo
A hipercorreção é velha conhecida de nosso idioma. Já contaminou muita palavra das quais nem nos damos mais conta. Aluguel é a forma hipercorrigida de aluguer, palavrinha internacional que ganhou o L só no Brasil.
Nem nomes próprios ficam de fora da confusão, caso de Cleusa, forma hipercorrigida do grego Creusa, bela filha do rei de Tróia Príamo. A lista é longa, e continua com Gerardo ou Filipe, que acabaram virando “Geraldo” e “Felipe”.
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A ignorância cria confiança mais frequentemente que o conhecimento.
Charles Darwin
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