Foi emocionante ver centenas e centenas de crianças e adolescentes caminharem pelos ruas do centro de São Paulo, na última quarta-feira, gritando a uma só voz: “racismo, não!”. Neste dia, os alunos do colégio Equipe não assistiram às aulas, mas deram uma lição de civilidade para um país inteiro.
Dias antes, Isac, um menino de 12 anos de idade, lanchava com duas amigas da escola, no shopping Pátio Higienópolis, quando a segurança do centro comercial perguntou para as meninas se elas estavam sendo incomodadas por Isac. Naquele momento, Isac, uma criança de 12 anos de idade, compreendeu exatamente o teor da pergunta. A cor da sua pele ganhou centralidade, mais uma vez, e ele se sentiu profundamente humilhado, diante das amigas. Não por ter a pele negra, mas por ela ser motivo de humilhação.
O que aconteceu com o Isac, me remeteu imediatamente a um trecho do livro “O avesso da pele”, onde o autor, Jeferson Tenório, escreve: “naquele momento, você não sabia bem o que queria fazer. Na verdade, você estava perdido, porque, até ali, a vida não passava de um amontoado de obstáculos que você tinha de superar. Resistir fazia parte da vida…”.
Só quem tem a pele negra sabe o que é ter a autoestima minada por doses seguidas de preconceito, empurradas goela abaixo, todos os dias, sem trégua. Um olhar atravessado, um comentário maldoso, um gesto de exclusão, uma oportunidade negada, uma abordagem policial e muitos outros atos de violência psicológica e física, diariamente.
Assim vai sendo construída a personalidade, a confiança ou a falta dela, o amor próprio ou o desamor, a coragem ou o medo, a alegria ou o desalento de quem sofre com a discriminação, durante uma vida inteira.
Mas nesta semana, as crianças e os adolescentes, amigos de escola do Isac, e muitos outros que se somaram, gritaram por Isac e por todos nós que nos indignamos. Não pode mais haver espaço para o racismo! Eles seguiram em marcha e tomaram os corredores do shopping e se fizeram ver e ouvir.
A segurança, que fez a abordagem, também tem a pele negra e este fato também chocou muita gente. Mas aqui também vale uma reflexão. Todos somos produtos do meio e influenciados pela cultura de onde vivemos. Com certeza, esta segurança, mulher e negra, é duplamente discriminada no seu dia a dia, mas também reproduz o racismo estrutural da nossa sociedade. Julgar é o caminho mais fácil.
Este mesmo shopping já foi alvo de outras denúncias de racismo, que ganharam espaço na mídia, nos últimos anos. A resposta é sempre a mesma: a empresa não tolera este tipo de comportamento e os envolvidos serão punidos. Como se isso não fosse uma política deliberada da empresa, comprovada pelos repetidos acontecimentos.
Volto mais uma vez ao “Avesso da pele”, para através das palavras do autor, dizer ao Isac: “É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e veias, existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos.”
O nome Isac tem origem hebraica e está associado à alegria, ao riso. Que Isac possa viver a plenitude deste significado, independente da cor da pele, porque no avesso dela, uma mesma cor é comum a todos nós.