Em Goiás há muito para ser visto, e isso foge da noção comum de ver apenas natureza. Sim, a exuberância natural é incrível, mas não é só de pequi, churrasco, trilhas e cachoeiras que se vive por aqui. Há cultura, muita. E também não é só regionalismo e folclore, com suas inúmeras festas e festivais. Nossa terra dialoga com o universal. O homem dessas bandas fala com o boiadeiro, com filósofos, com o mujique e com frequentadores de tabernas inglesas sem nenhum problema.
Na data que escrevo esse breve relato, recordo o ano de 2019, nos dias 27 e 29 de novembro. Aconteceu um evento e trouxe os diálogos entre o prof. João Cezar de Castro Rocha e o prof. Cláudio Ribeiro, de Goiânia, sobre José Guilherme Merquior, e quando pude falar com o mesmo convidado sobre Mário Ferreira dos Santos.
No ano de 2023 outra grande atração foi a realização do Simpósio: 200 anos de Dostoiévski nos dias 28 e 29 de agosto. Estavam presentes a professora Elena Vássina, o Historiador Maurício G. Righi e o escritor goiano José Donizete Fraga. Participei com debatedor na mesa com Righi e Fraga. Foi um evento ímpar em virtude do alcance e da qualidade de toda a organização que partiu, como no evento de 2019, do sonho do poeta e cronista Adalberto Queiroz com a ajuda do prof. Ademir Luiz, presidente da União Brasileira de Escritores (UBE).
Depois de Dostoiévski, chegou a vez de tratarmos do grande bardo: Shakespeare.
Neste final de novembro de 2024, nos dias 25 e 26, no Simpósio: Shakespeare em Dois Atos, recebemos em Goiás Alexandre Borges, Sérgio Sá Leitão e Martim Vasques da Cunha, que enfrentaram a tarefa de responder à pergunta: “O que a literatura de Shakespeare pode revelar sobre o atual momento da política brasileira?”.
Isso gerou um conjunto de perspectivas intrigantes, porém elucidativas, sobre o que anda sendo feito em nosso país - tomando como referência a análise humana feita pelo dramaturgo e poeta do séc.XVI-XVII. No segundo dia de atividades, tivemos a presença do prof. Paulo Cruz, junto ao poeta Adalberto Queiroz e eu para falarmos das emoções humanas na obra shakespeariana. Assim, dispusemo-nos a dialogar a partir da seguinte questão: “Como essas emoções, o amor, o ciúme, o desejo, podem ser compreendidos hoje?”.
A riqueza de observações, tomando desde a obra Otelo, Henrique V (na qual trabalhei o desejo mimético observado em seu enredo) e os sonetos do inglês, expuseram uma parte da infinitude das possibilidades de investigações do humano. Shakespeare, como falou Jorge Luis Borges, é infinito, e nunca falamos o suficiente sobre ele.
Em todos os eventos em que participei, senti-me honrado e desafiado. Primeiro ter sido lembrado pelos amigos para colaborar com eventos dessa envergadura, e segundo por poder dialogar com os convidados, o que exigiu uma intensa preparação. Como disse o amigo Adalberto, ficamos “imersos em Shakespeare”, deixando algumas outras atividades para visitar a obra shakespeariana e alguns de seus comentaristas. Dialoguei muito com René Girard nesses dias, com o Teatro da Inveja, com a Mentira Romântica e com estudiosos da teoria mimética, como o prof. Righ e seu Eu sou o Primeiro e o Último e Richard Golsan, autor de Mito e Teoria Mimética. Além deles a visita a Bloom era indispensável; rapidamente passei por Auden e suas Aulas sobre Shakespeare. Não poderia deixar de lado os espanhóis, pois Julián Marías, em Literatura e Gerações também dedica um texto sobre o drama shakespeariano. E, claro, Henrique V, peça história de Shakespeare cujo marco está no icônico “Discurso do Dia de São Crispim”, tema que usei para arrematar a imputação do desejo mimético. Foram dias de imersão, tal como deveriam ter sido (não custa imaginar) aqueles dias que precederam as primeiras montagens que o próprio dramaturgo viveu antes de apresentar pela primeira vez uma de suas tantas peças.
É sob tais aspectos que vejo a cultura goiana se enriquecendo, cada vez mais, entre o contato cada vez mais rico com os nossos autores nacionais e com os estrangeiros. A riqueza de tudo é o crescimento das perspectivas em nossa terra, assim como tudo cresce com o contato com a luz revigorante do sol, que ronda nossa Terra por partes, mas é o mesmo para todos.
Que venham mais eventos e possamos crescer cada vez mais. Ou melhor, que possamos escalar, em novas aventuras, os ombros de novos gigantes.
*Tobias Goulão é mestre em História e professor na Faculdade Católica de Anápolis