Em 2024, o número de pedidos de recuperação judicial (RJ) bateu um novo recorde histórico no Brasil, superando a marca de 2016, o pior ano até então. Por outro lado, houve uma ligeira queda nos pedidos de falência em relação a 2023, o que mostra a importância do instituto da RJ para a perenidade das empresas e, portanto, para a manutenção dos empregos, dos compromissos empresariais e do crescimento econômico. No entanto, os dados acendem um alerta para o setor empresarial como um todo.
Segundo os dados do Serasa, em 2024 foram registrados 2.273 pedidos de recuperação judicial no país, um aumento expressivo de 61,8% em relação a 2023. Os números foram alavancados principalmente pelas micro e pequenas empresas, com 1.676 solicitações, que, sozinhas, superam o total de pedidos de RJ em 2023, que foi de 1.405. O recorde anterior era de 1.863, em 2016.
Analisar dados como esses requer cuidados, pois são múltiplos os fatores que levam as empresas a entrarem com pedidos de RJ. No entanto, podemos dizer, em linhas gerais, que esse ainda é um efeito em cadeia dos impactos da pandemia de Covid-19, momento em que o empresariado brasileiro — e mundial — enfrentou uma queda brusca e significativa no fluxo de caixa, aumentando consideravelmente o endividamento das empresas, que agora têm dificuldades para honrar seus compromissos. A isso se soma a diminuição do crédito, o aumento dos juros e do dólar, gerando um cenário sufocante para os empresários em termos de renegociação, capital de giro, abatimento de dívida e deságio.
O que preocupa e deve nos colocar em alerta é a possibilidade de um efeito cascata desses pedidos. Quando um empresário entra com o pedido e submete o credor aos efeitos da recuperação judicial, esse credor, ao não receber o que lhe é devido, também pode acabar pedindo recuperação judicial. A principal dificuldade enfrentada por uma empresa em RJ é conseguir novos credores para alavancar seus negócios. Dessa forma, o único caminho para evitar o pedido de RJ é negociar diretamente com os credores, estabelecendo novos prazos e valores, o que costumeiramente se chama de renegociação — que, no meio jurídico, pode ser considerada uma recuperação extrajudicial.
Com o alto número de pedidos de recuperação judicial, o Poder Judiciário precisará ser ágil nos despachos e decisões relacionadas a esses processos. Esses casos não podem esperar pela ordem cronológica para serem analisados; eles precisam de prioridade para tornar viável a recuperação efetiva das empresas.
Por fim, é necessário dizer que, apesar dos números que podem assustar, não há motivo para alarde. A recuperação judicial é o meio legal propício para que as empresas retomem seu vigor, voltem a ter fluxo de caixa, estabeleçam novos prazos para honrar seus compromissos com credores e possam construir uma nova fase de crescimento. Por isso, é importante que os empresários não abandonem o processo de RJ, pois ele é, sim, uma solução viável para a continuidade dos negócios.
*Hanna Mtanios é especialista em Recuperação Judicial e sócio do escritório Hanna Advogados