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Marilene de Araújo Martins

Bebês reborns: muito além do lúdico, um sintoma coletivo

| 10.06.25 - 11:16
O fenômeno dos adultos que tratam bonecas realistas como bebês reais, os chamados bebês reborns, tem ganhado visibilidade e gerado debates, muitas vezes confusos, sobre saúde mental, gênero, consumo, legislação e o limite entre o lúdico e o adoecimento.
 
Independentemente das motivações individuais, é necessário distinguir o brincar saudável da substituição simbólica de um ser humano por um objeto inanimado. Cuidar de uma boneca como se fosse um bebê real pode refletir necessidades emocionais profundas, inclusive o desejo de preencher um vazio existencial com algo que não exige as responsabilidades e os riscos do cuidado com uma vida real.
 
Embora existam usos terapêuticos reconhecidos, especialmente em contextos de luto ou demência, o uso massificado e sem critérios dos reborns ultrapassa o campo da saúde, tornando-se sintoma de um comportamento social que precisa ser observado com mais atenção.
 
O que se observa é uma normalização coletiva de um padrão de comportamento disfuncional, sustentado por um sentimento de pertencimento e reforçado por um mercado que lucra com a oferta de “experiências realistas”, como partos simulados de bonecas. Quem questiona esse comportamento muitas vezes é visto como insensível ou preconceituoso, o que dificulta um debate maduro sobre o tema.
 
Comparar o vínculo com reborns ao afeto por pets, por exemplo, é uma distorção: a relação com animais é recíproca e baseada na vida real, enquanto a interação com bonecas é unilateral e projetiva. Além disso, a associação com hobbies masculinos, como coleções de carros ou jogos, ignora o aspecto da simulação afetiva extrema e da dissociação da realidade.
 
Estamos diante de uma sociedade que consome experiências e vínculos artificiais como substituto das relações humanas genuínas. O avanço da tecnologia, a solidão, o individualismo e a busca por aprovação social alimentam esse processo. A monetização dessas práticas revela o quanto o mercado se adapta aos sintomas sociais, lucrando sobre carências emocionais.
 
Nesse processo, quem oferta a experiência e quem a consome, compartilham de semelhanças na conduta que vai além do lúdico, mas sim da conveniência. Nesta há quem monetiza em torno da necessidade de um consumidor que consome “uma experiência” vinculado a um objeto para preencher um vazio alimentado por diversas razões, não somente em torno da maternidade.
 
Há um distanciamento coletivo sobre o verdadeiro significado das trocas genuínas nas relações humanas. Precisamos refletir sobre o significado da substituição do humano na vida das pessoas, especialmente sobre a solidão e a busca de sentido na própria vida.  A pergunta que fica é: quem se responsabiliza por esse fenômeno coletivo? Criar leis ou punições resolve pouco se não houver um debate profundo sobre o sentido da vida, os vínculos humanos e a saúde emocional da sociedade.
 
Se não olharmos com seriedade para esses sinais, corremos o risco de banalizar ainda mais as relações humanas, substituindo o afeto real por vínculos imaginários. É urgente restaurar os valores humanos, a empatia e a presença verdadeira como pilares para a saúde mental individual e coletiva.
 
*Marilene de Araújo Martins é psicóloga e diretora do Instituto Habiens

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