Eleições, políticos, eleitores, debates ou a falta deles, disputa por governos, urnas eletrônicas, fraudes, fascismo, fanatismo, petismo, racismo, conservadorismo, etc, etc, etc… Enfim, acho que todos nós ficamos um pouco exaustos e cansados de tanto ouvir e falar em política nesses últimos dias. Por isso pensei em começar essa coluna falando sobre algo bem diferente disso tudo, ou pelo menos tentar falar de algo que não envolva diretamente esses assuntos. Daí lembrei da minha última semana em São Paulo, quando fui à 33ª Bienal de Arte de SP e pensei que esse poderia ser um bom caminho….
Uma das primeiras perguntas que me fiz foi: por que ir à Bienal ou a qualquer outra exposição de arte contemporânea nos dias de hoje? O que uma exposição assim tem para nos ensinar ou nos mostrar num mundo tão cheio de informações e entretenimentos digitais e cercado de tantas “outras prioridades” a serem resolvidas? E fiquei ainda mais inquieto em relação ao possível papel da arte hoje, depois que o nosso presidente eleito foi anunciado. Afinal, por que levantar como plataforma política a extinção do Ministério da Cultura num país como o nosso? Teria a arte ainda algum papel cultural e político importante nos dias de hoje? Pelo jeito, acho difícil não falar de arte hoje sem que isso ganhe pelo menos algum contorno politico, por isso tentarei ser breve.
Vamos por partes, a fim de tentarmos responder a perguntas tão auspiciosas. Por que então ir à Bienal? A arte nos serve de inspiração e motor cultural há milhares de anos. Provavelmente veio a partir dela a construção de boa parte do que habituamos chamar de conhecimento filosófico, científico, religioso ou existencial. Ela sempre nos ajudou a pensar, entender ou questionar o que estava se passando ao nosso redor, seja nos tempos das cavernas, no período medieval, renascentista ou nos tempos modernos e digitais.
A arte também nos deu pistas preciosas para começarmos a tentar entender o que acontecia dentro das nossas confusas e férteis cabeças. E olha que muitas cabeças rolaram para que isso fosse aceito ou pelo menos percebido como algo importante, sendo que até hoje ainda há controvérsias se esse “conhecimento todo” nos faz avançar ou regredir na nossa existência cultural. Eu ainda tenho minhas dúvidas e acredito que sem a arte e sua linguagem figurada, ainda estaríamos felizes nas cavernas fazendo churrasco, caçando e brincando de agricultura familiar com nossos parentes e amigos.
Há toda uma tradição cultural que afirma que a arte e o conhecimento sempre caminharam juntos e fazem parte da mesma matriz, que impulsionou nosso raciocínio mental a ponto de chegarmos nas inúmeras filosofias e ciências de hoje. E ainda existem expressões populares como aquela que diz “diga-me com quem andas e te direi quem és”, que poderia facilmente ser adaptada para “mostre-me o que estás produzindo ou consumindo artisticamente que direi quem tu és”, que poderiam ser mais longamente discutidas aqui. Mas infelizmente não temos tempo nem disposição para tanto. E há fortes indícios de que a arte que “usufruirmos” ou “consumirmos” durante toda nossa vida influenciará decisivamente em todos os nossos valores éticos, morais, religiosos, políticos, mesmo que você não perceba claramente esse processo acontecendo dentro de você.
Talvez aqui cheguemos a uma primeira conclusão importante sobre “por que ir à Bienal de SP ou qualquer outra exposição de arte”. Porque, no mínimo, isso pode nos tornar pessoas melhores, com mais conhecimento e com mais chances reais de sermos felizes e entendermos e questionarmos melhor o mundo em que vivemos. Mas talvez só isso seja pouco. Por exemplo: nos fazer lembrar de um artista incrível e que talvez por sermos goianos não achamos que ele precise ser lembrado a todo instante, mas Siron Franco foi um dos grandes homenageados nessa edição. Sua série sobre o trágico acidente com o Cesio 137, registrado em Goiânia nos anos 80 e que hoje é algo praticamente esquecido, com certeza nos ajudará a lembrar que outros acidentes sérios e trágicos. Muitos, inclusive, aconteceram recentemente e já estão sendo esquecidos e ainda esperam por respostas e punições dos culpados. Nem vou citar que obras assim talvez pudessem nos ajudar a entender melhor o mirabolante plano do nosso futuro presidente de juntar os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura numa mesma pasta e o que isso poderia nos acarretar ecologicamente no futuro, sem dizer também que isso me lembra aquela famosa estória do ardiloso Lobo que foi escalado para proteger e cuidar dos “pobres” cordeirinhos (ou eram porquinhos?), mas para não nos aborrecermos mais seriamente, falaremos disso outra hora.
Será que as obras e a curadoria feita pelo artista Antonio Ballester Moreno (pela primeira vez a Bienal tem curadores que também estão expondo como artistas), como sua floresta de cogumelos feitas por crianças das escolas publicas de SP, nos fariam pensar sobre a importância dos parques urbanos nas grandes cidades de hoje? Ou só o fato da Bienal de SP acontecer num pavilhão dentro de um parque tão interessante como o Parque Ibirapuera (creio que é o maior de SP) seja suficiente para mostrar a relevância dessas áreas? Ou quem sabe uma exposição num lugar assim pudesse nos fazer questionar o plano da gestão do ex-prefeito e atual governador eleito de São Paulo de privatizar esse e outros parques públicos de SP? Será que privatizar parques públicos e outras formas de lazer (além de muitas outras empresas e serviços públicos) poderia ser algo que a arte contemporânea pudesse nos ajudar a problematizar e entender ou simplesmente ela poderia nos fazer esquecer desses e outros problemas importantes do Brasil de hoje?
E nós afortunados goianos, morando numa cidade tão rica e generosa em áreas verdes e artistas contemporâneos, sabemos reconhecer, usufruir e dar valor às nossas próprias riquezas?
Continuamos na próxima semana….