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Economia

Consumo colaborativo: economia, sustentabilidade e desafio para o mercado

Internet e redes sociais fomentam a prática | 17.11.19 - 19:01 Consumo colaborativo: economia, sustentabilidade e desafio para o mercado (Empresário Wanderlei Marques. Foto: Kamylla Rodrigues)
Kamylla Rodrigues 
Especial para o AR
 
Goiânia – Centro. Lá fora, um sol de rachar. Dentro, casacos de pele e sobretudos. Um luxo só. Nas etiquetas, marcas imponentes, que são melhores aproveitadas em locais com um frio mais intenso. Mas também tem fantasias, trajes para casamentos, formaturas. Entrar no Brechó Goiano é se perder em tecidos e encontrar histórias. 
 

(Foto: divulgação Brechó Goiano)

“Comecei a vender peças usadas em 1997. Eu era um consumista nato. Gastava todo meu salário com roupas chiques. Acumulei tanto que mal cabiam peças no meu quarto. Um dia tive a ideia de vender tudo. Aí, nasceu a loja”, conta o fundador do Brechó Goiano, Wanderlei Marques, que vende e aluga as peças por preços que variam de R$ 50 a R$ 800. 
 
O Brechó Goiano é um dos estabelecimentos em Goiânia que comercializam peças que já passaram pelo guarda-roupas de outras pessoas. Essa prática começou no século retrasado e o crescente consumo colaborativo tem quebrado preconceitos, levando mais gente pra dentro desses locais. 
 
“Antes, as pessoas só entravam se não tivessem sido vistas. Era um certo tipo de vergonha. Mas, hoje, acredito que isso não existe mais. As pessoas ficaram mais conscientes de que essa prática gera economia e ajuda o meio ambiente”, afirma Wanderlei, que pegou gosto pelo negócio e em 2010 adicionou um antiquário no Brechó. Além da loja com as roupas, o empresário mantém outro local para comercializar antiguidades, móveis, quadros e outros itens de decoração. 
 
 
Peças do Antiquário e Brechó Goiano. (Foto: Kamylla Rodrigues)
 
A movimentação nas duas lojas é intensa. “Acredito que hoje eu recebo 500% a mais de clientes do que quando comecei. Isso mostra a mudança no comportamento do consumidor, que vê no brechó uma forma de economizar, sem perder o real valor”, argumenta. 
 
Uma pesquisa feita em todas as capitais brasileiras pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que 71% dos brasileiros são adeptos ou conhecem a prática de compartilhar e locar roupas. A Fernanda Assis faz isso há 10 anos. “Eu frequento muitos brechós e até tenho uma rede de amigas que alugam roupas de festa. Acho isso maravilhoso, porque atende minha necessidade e, além de economizar, acredito estar contribuindo com um mundo mais sustentável”, afirma a contadora. 
 
Fernanda critica a atitude denominada Fast Fashion, em que cada peça de roupa é usada, em média, apenas seis vezes. “Eu não sou contra comprar roupas novas. Acho importante, desde que com sabedoria. Comprar por comprar é acúmulo desnecessário. Se vai comprar uma peça nova, doe ou até mesmo venda as outras que estão no armário. Precisamos ir reciclando, até porque não existe jogar fora. Estamos jogando dentro do nosso planeta”, complementa.
 
O levantamento da CNDL e do SPC Brasil, que ouviu 837 consumidores acima de 18 anos, evidenciou que 91% dos entrevistados disseram que ficaram satisfeitos com relação às práticas de compartilhamento que já utilizaram. A maioria (70%) já refletiu sobre o tamanho da economia que a prática rende, sendo que 40% consideram grande os recursos poupados. “Eu já contabilizei a minha economia durante o ano. Considerando que eu compre uma blusa por mês, com valor médio de R$ 50, eu gastaria R$ 600 em um ano, só com uma peça. No brechó, eu gasto, em média, R$ 20 em uma blusa. Então em um ano, eu economizei R$ 360. Vale dizer que foi uma economia com qualidade, porque as peças de brechó são em boas condições de uso”, lembra Fernanda. 
 
Consumo colaborativo 
Além dos brechós, o consumo colaborativo inclui o compartilhamento de bens e serviços, como caronas, hospedagem de animais de estimação na casa de terceiros, aluguel de bicicletas ou patinetes, aluguel de casas para temporadas e o coworking - compartilhamento do espaço físico de trabalho. De forma geral, o conceito engloba transações como o empréstimo, aluguel, doação, troca e compra e venda de produtos usados.
 
Segundo a pesquisa, em um ano, aumentou de 68% para 81% a porcentagem de brasileiros que estão dispostos a adotar mais práticas de consumo colaborativo no seu dia a dia nos próximos dois anos. O interesse se mantém em todas as faixas etárias e classes sociais. 74% dos brasileiros ouvidos já utilizaram ao menos uma vez, ainda que sem frequência definida, alguma modalidade de consumo colaborativo. 

Entre as principais vantagens elencadas pelo estudo estão a oportunidade de economizar, evitar desperdício, diminuir o consumo excessivo e contribuir para a preservação do meio ambiente. 

(Fonte e arte: CNDL e SPC Brasil)
 
Segundo o economista Danilo Orsida, a economia compartilhada redesenhou a oferta de serviços já tradicionais, como o de táxi e de hotelaria, por exemplo. "A gente percebe que grandes empresas estão apostando nesse novo perfil de consumidor que busca menos gastos. E nossa economia caminha pra isso. Acredito que seja uma consequência da globalização e da expansão da internet, que abriu caminhos para o setor colaborativo", pontua. 


Economista Danilo Orsida (Foto: Divulgação)

Mercado de compra e venda de usados
Segundo os dados coletados, em cada dez consumidores, seis (62%) compraram algum produto usado nos últimos 12 meses. A maioria (96%) ficou satisfeita com a compra. Em alguns casos essa é a primeira opção do consumidor. 79% dos entrevistados costumam verificar a possibilidade de adquirir um item usado em bom estado antes de comprar um novo. O item que ganhou destaque foram os livros. 51% dos entrevistados recorrem a sebos. 
 

(Fonte e arte: CNDL e SPC Brasil)
 
Luiz Fafau é um dos proprietários do Sebo Hocus Pocus, que fica no Centro de Goiânia. Ele atribui essa porcentagem à busca pela economia. “Livros novos são caros. Uma parcela da população não tem condições de pagar R$ 50 em um livro. A alternativa barata é o sebo. Aqui, por exemplo, o preço é único: R$ 10 qualquer título”, ressalta Luiz, que ainda acrescenta: “além de preços baixos, os clientes encontram em sebos livros que não são produzidos mais”. 
 
Ele avalia que a mudança de comportamento do consumidor ao procurar alternativas baratas e reutilizar o que ainda está em boas condições é o caminho para um mundo sustentável. “Precisamos adotar práticas conscientes. Até em casa, por exemplo, já busco reduzir desperdício e adotar ações do consumo colaborativo”. 
 

Sebo Hocus Pokus (Foto: Divulgação)
 
Para incentivar a leitura a um preço quase simbólico, a Hocus Pocus realiza todo sábado o chamado “Choque de Cultura”, em que milhares de livros são colocados à venda por R$ 1. “Acho que a população precisa ter acesso a cultura e a nossa história. Quanto mais conhecimento, mais consciência. Fazemos nossa parte”, finaliza. 

Internet e redes sociais 
De acordo com a CNDL e o SPC Brasil, 88% dos entrevistados acreditam que essas práticas vêm ganhando espaço na vida das pessoas, impulsionadas, principalmente, pela internet e pelas redes sociais, que conectou quem queria vender e quem queria comprar. Entre os fatores da escolha estão a facilidade de acesso, praticidade, rapidez, oferta de produtos e melhores preços. 
 
Grupos de WhatsApp reforçam esse dado. Jéssica Taniguchi Piretti Brandão é uma das administradoras do grupo “Desapegos Mamães”, usado para comprar e vender principalmente roupas e brinquedos de crianças. São mais de 250 integrantes, que compartilham produtos ou manifestam interesse na compra. Tem sempre uma negociação acontecendo. “Existem vários fatores que atraem as mães até os desapegos. Primeiro: roupas novas de crianças são mais caras do que as de adulto. Segundo: as crianças crescem muito rápido e muitas peças ficam praticamente novas. Terceiro: não serve mais, aquela mãe pode fazer dinheiro pra comprar outra peça ou objeto. Isso fomenta a economia e até o empreendedorismo”, ressalta Jéssica. 
 
E foi durante a compra do enxoval do filho, feito quase inteiramente com itens usados, que Jéssica teve a ideia de iniciar um encontro para vender roupas e sapatos femininos, em 2016. “Foi um sucesso tão grande que esse encontro se tornou anual. Depois daquele ano eu ainda abri um brechó online pra conseguir vender o ano todo”, reforça Jéssica, que aponta um crescimento de 70% no interesse das mulheres pelas peças usadas desde que iniciou a loja online. “Isso mostra que aquele preconceito de antigamente está acabando e isso é maravilhoso”. 
 
Compartilhando o bem
Já imaginou alugar um vestido de noiva ou o sapato de festa por R$ 5? Tem ainda peças de decoração, como placas e maquetes de bolo, e até o buquê. A ideia do projeto S.O.S Noiva Gyn mostra que, ao mesmo tempo em que a economia compartilhada fomenta a redução de gastos, as práticas colaborativas também estão ligadas ao uso racional dos bens e serviços e às questões sociais. O projeto empresta itens de casamento que já passaram pelo sonho de outras noivas com uma taxa simbólica que é usada para reparos e a manutenção do espaço onde as peças são disponibilizadas.
 
 
Maquete e sapato disponíveis para locação. (Fotos: reprodução / Instagram)
 
A ideia nasceu com a assistente social Gleydiane Tyrone Rodovalho. “Durante a programação do meu casamento, percebi o quanto as coisas eram caras. Conheci outras noivas que já haviam casado e recebi algumas doações. Usei algumas coisas no meu chá bar e até na cerimônia de casamento. E isso me ajudou muito. Então, resolvi ajudar outras noivas também”. 
 
Para se ter uma ideia da abrangência do projeto, nos últimos três meses, 172 noivas foram beneficiadas. “Nosso trabalho é voluntário. Queremos ajudar outras mulheres que sonham tanto com esse momento e ao mesmo tempo poupar dinheiro e evitar desperdício. Muitos objetos são simplesmente jogados no lixo. E porque não reutilizar?”, reforça Gleydiane. O projeto é fomentado por doações de noivas, que praticam o desapego e a empatia. 
 

Assistente social Gleydiane Tyrone Rodovalho (Foto: arquivo pessoal)
 
Barreiras 
Nem sempre essa dose de desprendimento é tão simples. O crescimento do consumo colaborativo no Brasil ainda enfrenta barreiras, entre elas a desconfiança, o medo de ser lesado, a falta de informação e ausência de garantias. Mas existem mecanismos de proteção para evitar golpes ou negócios malsucedidos e alimentar essa cadeia de valores baseada na confiança. 
 
Sites e aplicativos, por exemplo, disponibilizam o filtro da reputação, ou seja: quanto melhor a avaliação do serviço prestado por um vendedor, maior é o status dessa pessoa na plataforma, indicando que o consumidor pode confiar nela. Da mesma forma, o cliente também é avaliado em uma série de critérios, como a pontualidade na devolução, cuidado na utilização, estado de conservação e pagamento. 
 
A gerente administrativa e financeira da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL Goiânia), Hélia Gonçalves acredita que essa desconfiança é uma questão cultural, mas a informação aumenta as chances de uma negociação bem-sucedida. “Hoje, a internet é uma ferramenta que expõe muita informação. É possível entrar em sites especializados em reclamações e fazer pesquisas. Dá para avaliar vendedor e até conversar com clientes. A dica de ouro é sempre buscar informações antes de efetuar qualquer pagamento”, afirma. 
 

Gerente administrativa e financeira da CDL Goiânia, Hélia Gonçalves. (Foto: divulgação)
 
A Jéssica Taniguchi, do grupo de desapegos, diz que o consumidor não pode ter medo de perguntar. “Questione o estado das roupas, peça fotos e outros dados. É seu dinheiro que está ali. Tenho certeza que o vendedor de boa-fé não se importa em garantir a qualidade do seu produto e a idoneidade de seu negócio”. 
 
Mesmo com essas barreiras, a CNDL avalia que esse é um mercado com enorme potencial financeiro a ser explorado. Estima-se que os setores mais importantes da economia compartilhada – incluindo viagens, veículos, finanças e streaming de áudio e vídeo, dentre outros – possam gerar receitas globais de US$ 335 bilhões até 2025. 
 
Desafios 
O consumo colaborativo vem ganhando espaço de forma significativa, seja pela economia ou pela preocupação com a sustentabilidade. “É uma tendência sem volta”, avalia Hélia, da CDL Goiânia. “Esse mercado de venda, troca, compartilhamento já existe há muito tempo. A internet começou a expor mais essa espécie de ‘escambo’ e isso atraiu milhares de consumidores, que antes não conheciam ou não enxergavam vantagens nesse mercado”, explica Hélia. 
 
E aí surge o desafio para as empresas e lojas que não se inserem nesse mercado. “Inovação é a palavra-chave. Repensar a forma de vender, trabalhar com combos, vendas em grupo, descontos maiores e até maior relação com o meio ambiente são pontos que esse empresário pode buscar para não perder cliente. O consumidor muda de comportamento e o mercado precisa acompanhar essa transformação. O movimento de consumo colaborativo tem ganhado cada vez mais força com a ideia de menos desperdício. Não é só vender um produto. Esse lojista precisa vender uma ideia, uma experiência. É um desafio necessário”, complementa. 

O economista Danilo Orsida acredita que o poder púbico precisa investir mais na economia compartilhada, oferecendo condições para que o setor floresça nos próximos anos, favorecendo a regulamentação desses negócios. “Alguns serviços e algumas transações acontecem na informalidade e isso prejudica a arrecadação tributária, por exemplo. Avalio que seja necessário um olhar especial para esse mercado, até para resgaurdar esse consumidor", ressalta.  

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