Magnólia (nome fictício) me mandou mensagem assim que terminei o trabalho e apertei, de fato, o botão da sexta-feira. Era para cumprir nossa agenda de trabalho e tomar um café com fofoca. Sexta-feira foi feita pra isso. Ou estou errado? Pensando bem, depois do café a gente pode comprar um vinho, "não é mesmo uma excelente ideia?", sugeri. Magnólia (nome fictício, repito!) se empolgou em saber que, enfim, visitaria aquela adega de vinhos bons e baratos, da qual eu já havia falado com uma certa insistência. Queria umas garrafas para não fazer feio em casa, no caso de receber visitas-surpresa, em horário sabido, porém não divulgado! E visitas ignoradas. "Bora lá. Te levo. Você vai aprender como se chega e depois vai aproveitar", encorajei Mag (apelido fictício de um nome fictício).
A chegada ao local pôde mostrar a ela a imponência do estabelecimento, de esquina, espremido entre uma avenida larga de mão única e uma rua mais estreita que o fio de baba que liga a infância à liberdade. Demorou pouco até que encontrasse um espaço suspeitamente vazio para encostar o carro. Descemos e peguei um carrinho. Assim que avancei na primeira garrafa de vinho, uma amiga de longa data, percebendo a minha presença sem a minha reciprocidade, me chamou a atenção. Achei tão gostoso o abraço... E ela já me indicou um "honesto" por um preço bem abaixo do valor de mercado. Peguei logo três garrafas, já que sobraram apenas duas caixas e, quanto titubeei para pegar a quarta garrafa, pluft! Acabaram-se todas!
Magnólia ainda queria escolher um tinto argentino de mais responsa, do tipo para pessoas mais experientes, e um outro vinho tranquilo para quaisquer outras oportunidades e/ou ocasiões ou vice-versa. Rumamos para a prateleira à frente, onde estavam os argentinos. Não encontramos, mas no retorno à prateleira anterior, minha amiga novamente se manifestou, mostrando-me um português BB (bom e barato). Não hesitei! Já aproveitei o sommelier e o questionei: "Onde está o La Lynda?". Hellandslaysson Teixeira (nome assim descrito no crachá do rapaz) apontou o dedo para a prateleira, onde estava, também, um senhor observando os vinhos e seus preços na parte de cima da prateleira, enquanto Mag (apelido fictício de nome fictício) se agachava para escolher um dos três rótulos de La Lynda. Foi quando se deu "o diálogo"… monólogo.
O senhor, todo empolgado, não sei se pelo vinho, pelo preço do vinho, pela situação ou pela própria Magnólia, olhou para baixo e enfiou o braço na primeira fila de garrafas, enquanto Mag escolhia o vinho no mesmo espaço, e começou, sem hesitação, a tentar se explicar. Ele ia dizer que pegaria uma daquelas garrafas, mas que ainda havia outras mais atrás. No entanto, quando ele bradou as duas primeiras palavras “eu vou”, com voz estranha, um longo, grosso, viscoso e consistente fio de baba desaba - me perdoe a cacofonia - da boca frouxa do senhor. O tempo parou por um instante.
Enquanto ela, a baba, ainda se formava por completo para, enfim, ganhar o espaço-tempo entre a boca dele e a perna de Mag, instantaneamente, minha mente começava a ouvir Nocturne op.9 No.2, de Chopin, e ela, a baba, começava a descer em câmera lenta. Assim minha cabeça imaginou a cena e foi moldando e sendo moldada por ela. Quando ela chegou à metade da distância, olhei rapidamente para baixo. Eu queria ter a certeza de que haveria um espaço-tempo-vago por ali, para que ela, a baba, encontrasse o aconchego necessário para não se espalhar por todo o espaço-tempo.
Quando voltei o olhar para o senhor percebi que ele também percebera a robusta linh... o robusto cordão que escapulira de seu controle labial e despencara de sua boca. Era tarde demais! Meus olhos só conseguiram alcançar de volta a baba já começando a se desfazer na perna de Mag e sendo absorvida pelo tecido de algodão estampado do macacão que ela usava.
Foi nesse momento que eu percebi que as pessoas mudam de feição, claramente, se transformam quando mudam de humor. Magnólia, amiga cuidadosa com o corpo e a alma, ficara pálida e seus olhos perderam o viço e envermelharam-se. Estava revoltada! Fosse ela uma vampira, haveria uma carnificina naquele momento. Tudo com muita compaixão, porque Magnólia também sentiu pena do senhor empolgado quando ele não conseguiu segurar aquele fio de baba. Mas o ódio parecia, visivelmente, ser maior. E veio a ânsia. Mag quis vomitar.
Ela tentou disfarçar, mas parecia não acreditar na situação. "Me arruma um papel", me implorou com cara de desespero. Não consegui encontrar, mas também não me esforcei o suficiente porque eu fiquei com pena do senhor empolgado. Entretanto, eu compreendia perfeitamente a situação, a revolta dela. Eu quis rir. Me contive. Olhei novamente para o senhor e percebi que o brilho de seus olhos também havia sumido. Ele percebera o que acabara de acontecer e disfarçou, descaradamente, dado a tamanho constrangimento. Saímos rapidamente de perto. Mag não poupou munição contra o senhor babão. E também babou, espumou... metaforicamente, por favor! E eu não poupei endorfina e ri como há tempos não ria.
Enquanto eu aguardava na fila do caixa, Magnólia foi devolver uma garrafa que teria garantido antes, mas desistira. E eu pensava: "Ele ficou encantado por Magnólia. Ele babou por ela. Babou nela. Nada mais animal e conquistador". Percebi que Magnolia se aproximava e rapidamente fiz questão de chacoalhar a cabeça para fazer com que os pensamentos se evadissem o mais depressa possível, quase crendo que ela pudesse lê-los. Mas, para mim, foi uma equação complexa para entender qual seria a porcentagem de piedade, dó mesmo, e de ódio extremo, ao ponto da ânsia, do vômito. Parecia uma babadeira, mas pode ter sido babado! O cara babou. É o que eu chamo de paixão à primeira vista. Ah, se não é... baba, baby, baba!
*Rimene Amaral é jornalista, radialista e fotógrafo