Entre os projetos que carinhosamente alimentei para este ano de 2025, “Vozes Femininas” foi o que mais me tocou o coração, por ser único em sua proposta de evidenciar a criação das mulheres na nossa literatura e por resgatar a produção de três pioneiras da produção literária em nosso país, que abriram caminho para a atual efervescência literária das mulheres. Falo de Clarice Lispector, Hilda Hilst e Adélia Prado.
Mesmo imerso em uma longa viagem ao país de Dante Alighieri, não tirei os olhos do que aqui em Goiás um grupo de devotos à literatura seguiam fazendo para executar o projeto que deixei com meu parceiro Ademir Luiz junto à direção do Sesc/Senac de Goiás.
Tudo se deu como previsto e uma generosa audiência de espectadores ávidos por literatura lotou os dois dias de evento nas dependências do Teatro da entidade no setor Central, nos dias 3 e 4 de julho passado.
Já sabíamos, Ademir e eu, que a literatura brasileira contemporânea vive um de seus momentos mais ricos, com uma vasta e sofisticada produção escrita por mulheres.
Os livros mais relevantes publicados nos últimos anos são de autoria de escritoras como Andréa Del Fuego, Carola Saavedra, Giovana Madalosso, Martha Batalha e Marcela Dantés. Em grande parte, esse momento se deve ao trabalho dessas três pioneiras homenageadas no Sesc – que fazem parte do grupo de escritoras mais originais do século XX.
Sabíamos que era essencial festejar e analisar as obras dessas artistas como iniciativa fundamental, sobretudo neste ano em que Adélia Prado, a única das autoras vivas, promete lançar um novo livro de poesia, após 20 anos de silêncio literário. Era nosso sonho trazer dona Adélia para esse lançamento em Goiânia, o que se mostrou impossível pelas circunstâncias em que vive nossa poetisa mineira que em dezembro próximo completa 90 anos.
Segundo o poeta Bruno Tolentino, “Adélia Prado é a poetisa do ritmo, do instante e do precário indizível”. Ela foi alvo da análise de palestrantes convidados e de personalidades locais que emocionaram o público presente com suas visões diversas e complementares.
O Autor de “A poeira da Glória”, o professor e crítico Martim Vasques da Cunha assim resumiu sua participação no colóquio:
“Participar do evento Vozes Femininas foi, para mim, um tônico de esperança no debate árido que ocorre atualmente no Brasil sobre literatura...o evento mostrou que, em Goiânia, a literatura deve ser tratada como ela merece: numa discussão plural, instigante e, sobretudo, sem apelar para os reducionismos ideológicos do nosso tempo. Um alento.”
Foi esse o sentimento que tivemos ao final do colóquio, quando as pessoas se movimentaram para cumprimentar os participantes da mesa de palestras e, principalmente, pedirem carinhosamente autógrafos à escritora Marcela Dantés, como haviam feito com Martim Vasques no primeiro dia, e expressavam agradecimentos por termos idealizado o evento. Muito cumprimentados também foram a atriz Thaise Monteiro e o músico Reny Cruvinel pela apresentação de monólogos de textos das homenageadas feito por Thais, acompanhados ao violão por Cruvinel.
Palestrantes do 1º dia: Martim, Kamilly e Resplande (Foto: divulgação)
Na verdade, este é o terceiro de uma série de realizações similares que teve o patrocínio do Sesc/Senac que já nos possibilitara antes trazer debates e leituras de Dostoiévski, em 2023 e de Shakespeare, no ano passado.
Autor convidado do primeiro dia, Martim Vasques resumiu a importância das três homenageadas assim:
“A literatura feita por Clarice Lispector, Hilda Hilst, Orides Fontella e Adélia Prado mostra também um aspecto que, indiretamente e ironicamente, engrandece a sua produção artística.
“Trata-se do fato de que essas escritoras confrontam, como raramente foi feito na literatura brasileira, com aquilo que os filósofos chamam de “o horror metafísico”.
“Esta experiência é uma das mais dilacerantes que qualquer ser humano pode vivenciar – e fundamental para que um artista tenha a compreensão adequada de como ele deve se relacionar não só com o mundo, mas também com os seus semelhantes.
“Essas mulheres sentiram isso na carne e resolveram esse drama em suas respectivas obras”.
A premiada autora de “Vento Vazio”, a mineira Marcela Dantés, que palestrou no segundo dia do colóquio destacou:
“Hoje, quando sento para escrever (depois de colocar o filho pra dormir, entregar as demandas do trabalho, pagar os boletos, lavar a louça, responder um e-mail, organizar uma viagem, finalizar uma reunião, entregar um projeto, retocar o esmalte), eu sei que não estou sozinha. Existem outras mulheres me amparando. Clarice, Hilda e Adélia não escreveram apenas para o seu tempo — elas escreveram para que nós pudéssemos escrever. Que a gente continue lendo essas mulheres. Que a gente continue escrevendo. E que possamos sempre honrar quem abriu as portas antes de nós.”
Mesa do 2º dia: Adalberto, Ademir, Marcela e Tainá (Foto: divulgação)
Chris Resplande registrou sua participação no evento:
“Participar do evento Vozes Femininas foi sobretudo uma oportunidade de conhecer, sob a ótica e pontos de vista de bons autores e críticos, a obra de Clarice Lispector, Hilda Hilst e Adélia Prado. Em especial, de revisitar Adélia Prado para além da reflexão pessoal, ante o intuito de apresentação e interação com o público. Evento idealizado pelo poeta Adalberto de Queiroz e coordenado por Ademir Luiz, Presidente da UBE GO – ambos da Academia Goiana de Letras –, a eles meu louvor por todo o empenho, competência e sensibilidade na condução do Projeto."
Kamilly Barros, que palestrou sobre Hilda Hilst acentuou:
“- Me sinto filha de uma época (parafraseando Szymborska) que busca ultrapassar os estereótipos que por muito tempo circunscreveram as vozes femininas a um lugar secundário. O movimento que toma corpo agora, e do qual o “Vozes Femininas” foi representante, afirma o papel fundamental das mulheres escritoras na criação de uma experiência ético-estética que ao mesmo tempo aprofunda nossos laços com o Brasil e ultrapassa qualquer fronteira geográfica, nos possibilitando uma formação humanista. Foi assim que me senti.”
A editora da Revista Bula, Tainá Corrêa, ressaltou que “saiu do encontro com mais perguntas, mais vontade de ler e escrever, e um profundo sentimento de pertencimento.”
Para ela, “participar do Simpósio Vozes Femininas foi uma experiência profundamente significativa para mim. Em meio a tantas escritoras, pesquisadoras e leitoras que admiro, tive a oportunidade de refletir sobre as heranças literárias que nos atravessam e sobre o que ainda estamos construindo — com coragem, escuta e palavras.
“Agradeço especialmente ao idealizador do projeto, Adalberto de Queiroz, pela generosidade do convite e pela potência do gesto de reunir vozes tão diversas e necessárias. Ao seu parceiro na realização, Ademir Luiz, meu reconhecimento pelo empenho e cuidado. E ao Sesc Goiás, que tornou o simpósio possível, minha gratidão por acolher a literatura feita por mulheres com tamanho comprometimento.”
O escritor Ademir Luiz, presidente da UBE/Go, fez um balanço positivo que bem resume a iniciativa: “Este evento movimentou o cenário cultural goiano, estando lotado em suas duas noites. Mostrou que existe interesse real por debates profundos sobre literatura e arte. Para além do aspecto intelectual, muitas pessoas se comoveram ao longo das falas dos convidados, acontecendo inclusive aplausos em cena aberta. Ações como essa engrandecem o Sesc e o fazem cumprir sua função de entidade promotora das artes e da cultura.”
*Adalberto de Queiroz é jornalista e poeta.