Por cinco anos, o Brasil acreditou estar vencendo a guerra contra o crime. As estatísticas apontavam queda nos roubos, e os discursos oficiais comemoravam. Entre 2018 e 2024, os roubos caíram pela metade no país. Mas agora, o novo Anuário Brasileiro de Segurança Pública expõe a dura verdade: o crime não recuou, apenas migrou.
Enquanto os números de roubos despencaram, o estelionato explodiu. De 2018 a 2024, o número de casos de estelionato aumentou 400%, passando de 500 mil para mais de 2 milhões por ano. Em 2024, o Brasil registrou 234 casos de estelionato por hora.
Os dados em algumas regiões do país são ainda mais alarmantes: o estelionato cresceu drasticamente no mesmo período, chegando a registrar o dobro de fraudes em comparação ao número de roubos em diversas localidades. Estamos diante da maior epidemia criminosa da história recente, mas que, por ser digital, silenciosa e pulverizada, ainda é ignorada por muitos.
A estrutura do crime também mudou. Deixamos de ter facções disputando bocas de fumo e armas em comunidades para ver verdadeiras organizações criminosas atuando remotamente, com inteligência, tecnologia e acesso irrestrito a dados de vítimas. Grupos que, com poucos cliques, roubam economias de uma vida inteira.
É o crime organizado com novos métodos, novas vítimas e novo território: a internet.
Os números assustam, mas a reação é pífia. É imperativo investir mais em estrutura investigativa, especialmente em delegacias especializadas, e promover uma maior compreensão do novo cenário por parte dos gestores. O país ainda comemora dados desatualizados, medindo sua segurança pública com base em indicadores de criminalidade urbana analógica.
Pior: a legislação parece feita para proteger o estelionatário. As penas continuam baixas, os processos arrastam-se por anos e, muitas vezes, mesmo após condenado, o criminoso sequer é preso.
Não é raro ouvir autoridades estaduais proclamando que seus estados estão mais seguros porque o roubo caiu. Mas quando cruzamos os dados do Anuário com os da ANATEL, que registrou aumento no número de chips de celular, e do IBGE, que aponta crescimento da população urbana, percebemos que o número de oportunidades para crimes como o roubo aumentou, mas os roubos caíram.
Por quê? Porque os criminosos não precisam mais enfrentar riscos físicos, câmeras, rondas ou reações inesperadas. Eles migraram para o ambiente digital, onde a impunidade é maior, a chance de sucesso é altíssima e o risco é praticamente nulo.
Ignorar essa realidade é como um general comemorando o fim dos tiros sem perceber que a guerra mudou de armas. O Brasil precisa acordar. Investir pesado em investigação digital, capacitação de policiais, legislação moderna e em campanhas de conscientização.
Se não reconhecermos o novo inimigo, continuaremos lutando as batalhas erradas, comemorando vitórias vazias, enquanto milhões de brasileiros são saqueados virtualmente todos os dias.
A criminalidade evoluiu, mas a política criminal não. Ainda estamos estruturando o Estado para combater ladrões de esquina, enquanto os novos criminosos operam de mansões, lan houses, ou do exterior, com uso de tecnologia de ponta e conexão direta com grandes bases de dados.
A guerra não terminou. Apenas mudou de campo. E, até agora, o crime está vencendo
*Marco Antônio Maia é delegado de Polícia Civil de Goiás